Sunday, January 21, 2007

Efeito Hannah Arendt: do sofrimento e a anestesia na impotencialização do ser humano.

Tenho pensando muito no sofrimento e na anestesia do corpo diante do mundo na relação com impotencialização do humano. Hoje as pessoas querem se proteger do sofrimento, das dores humanas; elas querem ser sobre-humanas, artificiais. Ultimamente o homem vem se esforçando para tornar artificial a própria vida, cortar o último laço que faz o homem filho da natureza, o desligar-se dos sentimentos e sensações.
A anestesia, a proteção do sofrimento, é uma forma de se artificializar. O sofrimento como característica humana desenvolve os afetos, nos faz perceber outros vieses da vida, nos torna mais humanos com relação aos sofrimentos do próximo por assimilação. Deste modo quando nos anestesiamos de sofrer, nos anestesiamos do outro, do próximo que também sofre.
No mundo contemporâneo a grande maioria das pessoas tenta escapar ao sofrimento se anestesiando de qualquer forma possível; usando identidades pré-à-porter; isolando-se em grupos; consumindo os produtos nos quais possam ser conhecidos e reconhecidos; ou ainda usando um outro modo muito comum na sociedade odierna, as PLNs – programações neuro-linguísticas – que fazem com que as pessoas isolem pensamentos e sentimentos humanos de sofrimento. Essas formas de anestesiar o sofrimento já foram explicitadas na literatura visionária de Aldus Huxeley, o qual demonstrava o uso do soma como forma de salvar as pessoas do sofrimento. Mas hoje ela ganha um novo requinte, não precisa ser ingerida, apenas uma repetição exacerbada de frases, uma auto-lavagem cerebral, é suficiente para entrarmos em um mundo maravilhoso no qual não exista o sofrimento.

O sofrimento é uma condição humana, ele permite que possamos entender as dores dos outros, ele permite que possamos ver o mundo através dos sentimentos e sensações, modos de percepção que a racionalidade (leia-se Império) pós-moderna tenta de todos as maneiras destruir; ele toca o corpo no seu subterrâneo, no local onde a vida é criada. Fugir do sofrimento é fugir da vida, é fugir da imanência, é fugir de si, do que realmente é humano.
Como um exemplo de corpo que não se deixou anestesiar tem-se a escritora Clarice Lispector. Esta autora em grande parte da sua obra expõe a fragiliadade da sua vida, seus sofrimentos e agoniais, cada linha escrita está impregnada de suas sensações e experiências por ela vividas. A magia de Clarice não está apenas no fato que viveu suas dores, sofrimentos e angustias, e sim no modo como ela transformou tais sentimentos em obra de arte.
Não fugir do sofrimento e nem deixar-se anestesiar é hoje uma verdadeira batalha. Sem querer nos pegamos tentando escapar de sofrer, de sentir as dores humanas. Contudo, quando somos anestesiados o próximo passa a ser apenas uma matéria inerte jogada à vida como um objeto inútil. Para que o humano possa vir a ser criativo, potente e sensível é necessário que nos deixemos afetar pela dor, pois ela é o que nos torna humanos e sensíveis ao próximo.

1 comment:

.fla. said...

Não li esse post ainda. Talvez só leia amanhã ou depois. Eu sei e você sabe porquê. Mas prometo que leio.


 
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