Wednesday, January 24, 2007

Reticências

Minhas alegrias agora vêm em gotas, mas não sinto seus efeitos. O céu que cobre meus pensamentos não é de luto, mas de profundo abandono da tentativa de sorrir, e o meu fim de tarde permanece assim intacto. Vazio. O meu rosto conserva as cicatrizes do impronunciável desejo que mancha minha pele com feridas expostas, mas disfarçadas; a gravidade amarga das lembranças que não nos abandonam e dos ponteiros do relógio tão distantes do habitual exige a espera e o silêncio da dor, uma música que jamais será traduzida em sonoridades. Inaudível conexão dos acordes contido em cada lágrima e olhar que saem do meu corpo. Dentro.

O secreto das minhas horas nessa escuridão de ser e meus nervos e carnes a estremecer sentidos nos cadáveres dos sorrisos são tornados apenas ossos e letras. Minha forma minúscula me torna adaptável a qualquer mão que me sufoque. Às vezes acho que morri a mais tempo do que estive sem respirar e volto aos abrigos dos sonhos pouco nítidos para criar um mundo-outro, existente na margem das palavras e nos meus anseios. Eu cravo as unhas na minha garganta para gritar que por todos os espaços eu estou nu e na tua proximidade me sinto morrer da vida nas vozes. Quero lamber seus lábios e deixar na sua pele o ar que respiro de dentro da sua boca. Deixa que eu grite esse silêncio-súplica.

Os fios a tecer o céu não são mais teias de aço esverdeado pela eletricidade, eles agora estão a trançar algo do ar meramente habitável para que eu me torne do tamanho das realidades possíveis, o que é o mesmo que dizer da insensatez em tentar me delimitar. Dança mão desesperada! Busca nos instantes os mútuos segredos que se perderam nos olhos das marés. A sensibilidade que pulsa da ponta dos dedos aos lábios fechados, e nas vias respiratórias angustiadas são partículas de um eu espalhado e sempre re-configurável, híbrido e obscuro, mas terno.

Estou sentado na bagunça de mim mesmo e meu corpo não agüenta esperar o horário combinado, me refaço para a festa, mas é como se todos errassem o endereço e, eu, que planejei alegrias, aguardo debruçado sobre os minutos. O gato caminhando como presença alheia me indaga: o que faz alguém tão inerte a esperar? E coloca suas patas no meu colo para acordar a sensação de que tudo é vidro a se partir. Irrito o gato até que ele desista da minha companhia: até onde tenho feito isso comigo mesmo? É muito cedo, e tão tarde.

Não sou contornável. Manifesto chamas.

O céu se arrasta pesado causando rachaduras e as suas pétalas de nuvens se desmancham e me dissipam, invadem, preenchem, amedrontam. Eu corro, porque quero que o céu não se imobilize. Entre eu e ele está presa a minha ótica, o que o torna sempre uma extensão dos meus membros; sua majestade incorpora por um momento o universo infinito que me ultrapassa. Fecho os olhos. Fecho a porta. Sangrando me torno o vermelho. Sou. Deixo de Ser. Escorro líquido por meus dedos a me tornar tinta para a realidade, cheiro e gosto para compor a densidade do mundo e da textura nos tecidos humanos, não entendo tantas vozes inaudíveis a olho nu. Meus ouvidos são feitos de mar e saudade, sou agora a lembrança do seu toque e o momento das ondas quebradas há séculos atrás: quanto horizonte a se desmanchar em espumas invadindo o céu? O que fazer com meu encanto a desencantar-se de ti?

Olhos, olhos, olhos. Quanto dos teus olhos em mim, em minha face, em meus cabelos. Se, nas lembranças, nos afetos, na delicadeza dos gestos... Pelas noites claras... O meu silêncio ecoa pela minha calma, minha esperança atrasa o apelo das horas, o meu querer ultrapassa o visível das faces. Eu sei das escolhas, eu vivo e salto, às vezes. Minha face reencarnada carrega as marcas da masculinidade que me contorna, espelhos que não se reconstituirão idênticos.

Eu - impossível.

A realidade é mármore em retalhos, por vezes vento, o agora com suas envergaduras inéditas. Ouço os ecos invisíveis dos mosaicos. Enfim, a lucidez: ou um novo delírio? À margem do lago o barro é fresco e puxa meus músculos para que eu possa caminhar. Não há ar suficiente, mas estar submerso é reconfortante, pois posso enxergar através do cristalino da água, embora por todos os lados faltem formas para me abrigar. Meu coração disparado evidencia pressa em me socorrer? Engulo a primeira camada de ar e não penso mais no lago. Sou atingido por ensaios de felicidade e um assombro: o sacerdote contornado por lampejos de seu fogo aéreo não sabe do que são feitas suas vestes. Quem desenhou esses encontros

Sou acontecimento ininterrupto.

Deixa que eu acorde com as madrugadas incertas da tua saliva, eu necessito do aconchego das cobertas da tua cama, por que sou tão vulnerável que mal consigo não te repelir. Em minha ênfase pelos adjetivos encontro os suspiros das letras que sou capaz de juntar, multiplicidade que me escapa em todos os sentidos.

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